A Lenda dos Gigantes, sua Calçada e seu Cansaço...
(Texto Original / Ilustrações da Internet)
No norte da Irlanda existe um local mágico a que chamam a
Calçada dos Gigantes! É uma espécie de calçada de basalto em que as pedras de
forma hexagonal parecem só terminar no centro da Terra! Ora, segundo a lenda
local, a calçada que ali se encontra são as ruinas duma antiga via que aí fora construída
por um gigante irlandês de seu nome Fionn mac Cumhaill (também conhecido por
Finn) com o intuito de ligar a sua ilha à Escócia, onde iria defrontar um outro
gigante, este escocês e conhecido por Benandonner (Ben), de quem recebera o
desafio para um confronto que determinaria qual dos dois era o mais poderoso!
Assim que chegou à Escócia, Finn logo se apercebeu que
Ben era bem maior que ele e que por isso dificilmente o venceria. O gigante
resolveu então voltar à sua terra sem confrontar o adversário. Contudo o
escocês soubera que o irlandês construíra a calçada e que por isso já poderia
atravessar o mar para o defrontar! Ben decidiu então partir no encalce do seu
adversário com o intuito de o esmagar no seu reduto e demonstrar, desse modo,
todo o seu poderio.
Com a nova estrada, não lhe foi muito difícil chegar até
ele, mas ainda o gigante Ben vinha a caminho e já Oonagh (Oona), a astuta
mulher de Finn, congeminava um plano para livrar o marido dum confronto que
parecia inevitável. Oona vestira o marido de modo a aparentar que se tratava de
um bebé gigante e não de um guerreiro. Depois decorou um enorme caixote como se
se tratasse de um berço e Finn deitou-se lá.
Deste modo, assim que Ben alcançou a casa de Finn, apenas
encontrou a mulher e o suposto filho no berço. Ao ver tamanho bebé, o gigante
ficou logo apreensivo, se o filho era assim então como seria o pai! Oona contou
então que o marido se ausentara mas que estaria quase a chegar e serviu-lhe uns
biscoitos caseiros enormes. O gigante aceitou a oferta sem desconfiar que no seu
interior estava uma argola de ferro. Ao morder o doce, Ben soltou um grito com
a dor do dente a partir. A mulher aproveita então para insultar o gigante
chamando-lhe fraco por não conseguir comer um dos seus biscoitos, que o marido
tanto apreciava, e dando um, sem recheio de ferro, ao camuflado Finn, diz-lhe
que até um bebé os consegue comer! Ao ver tamanho feito, Ben decide abandonar
de vez aquela ilha com medo de tal gigante que tinha um filho daquele tamanho e
se alimentada com doces que lhe partiam os dentes!
No regresso a casa Ben ainda destrói a calçada para que o
outro gigante não o pudesse procurar na sua pátria escocesa!
Para os nossos amigos do norte a história termina aqui,
mas para nós não… é que passados algum tempo chega por fim aos ouvidos de Ben a
notícia de que na verde ilha irlandesa todos o gozavam por ter fugido de um
gigante menos gigante que ele, contando-se as peripécias de como havia sido
enganado pela mulher!
Desta vez não haveria contemplação, Ben estava furioso,
os seus olhos soltavam esgares aniquiladores e a sua respiração libertava um
sopro de destruição. Prometeu não voltar sem destruir Finn e a terra que ele
pisasse!
Como já não existia a passagem construída por Finn entre
as duas ilhas, Ben enche-se de coragem e resolve ir a “Mull of Kintyre”, um
local de grande significado para os escoceses e dar um salto gigante para “Torr
Head” na outra ilha, mesmo porque estes dois locais são os pontos mais próximos
geograficamente entre os dois territórios e daí o local ideal para conseguir
tal feito.
Com este salto toda a ilha irlandesa é abalada pelo peso
do gigante ao aterrar no solo. Finn, prevenido da ameaça que se aproxima e
sabendo que desta vez não conseguiria ludibriar o gigante, decide partir para
terras longínquas para evitar que a sua bem-amada pátria fosse destruída com a
batalha de gigantes que, agora sim, seria inevitável!
A sua intenção agora é a de alcançar as terras do
fim-do-mundo - a Callaicia - nome por que era outrora conhecido o norte da
península ibérica. Para isso, Finn teria de utilizar uma outra passagem, esta
feita com umas barcas flutuantes gigantes, que ele, secretamente, havia
construído para ligar o seu território à Bretanha (actualmente na França) e de
onde poderia alcançar o distante território da Callaicia, no fim-do-mundo
antigo.
Enquanto Finn foge, Ben corre atrás dele deixando um
rasto de destruição à sua passagem, não ficando qualquer barca para contar a história
desta passagem flutuante para gigantes.
O campo de batalha escolhido por Finn para enfrentar o seu
oponente foram as terras actualmente designadas por Meseta Central Ibérica que
outrora se estendia também por toda a metade norte da península, aí se
confrontaram os dois colossos insulares, mas o seu poder era equivalente sendo
a menor envergadura de Finn compensada pela sua maior astucia, talvez por isso
se diz agora de alguém astuto que é “fino”.
O combate durou uma eternidade e foi de uma brutalidade
extrema. De cada vez que um dos gigantes era lançado ao terreno surgiam montes
e vales logo inundados por torrentes de água que em tempestades jorravam dos
céus tumultuosos pela fúria que emanava daqueles gigantes. Poderá ser apenas
mais uma lenda mas a verdade é que a história de D. Quixote, que perseguia
gigantes imaginários por terras da Mancha, poderia estar relacionada com esta
luta ou de alguma memória que guardasse o seu rastro, ainda que um pouco
deslocalizado.
Quanto aos combates, Finn aproveitava o bastão de que se
fazia sempre acompanhar para, com alguns golpes de destreza, conseguir atirar o
gigante escocês ao solo. E assim o fez na primeira batalha, logo que Ben se
preparava para entrar na Ibéria. A luta prosseguiu algum tempo por ali, com
ambos os guerreiros a atingir o solo com tal violência que ainda hoje por ali
se encontram algumas das montanhas mais altas da península - os Pirinéus – num
desses golpes Finn para derrubar o seu adversário espetou o seu bastão no solo
com tal força que as águas que naquela zona deveriam escorrer naturalmente para
o Mediterrâneo (a sul da península), ainda hoje caiem nesse buraco, feito pelo
seu cajado, e vão parar ao Atlântico (a norte da península).
À medida que a batalha progredia, Ben mais potente
facilmente se erguia e atirava com o adversário para ocidente, num desses
golpes a queda de Finn fez com que surgisse uma nova montanha, hoje conhecida
como Urbião/Urbión, onde Finn quase perdia os sentidos ficando com a cabeça
encostada ao pico da montanha, Ben preparava-se então para lhe desferir o golpe
fatal quando aquele se desvia no ultimo instante.
A força com que o punho de Ben atinge a montanha, onde já
não estava a cabeça de Finn, é tal que parte do pico da montanha desaparece, deixando
no seu lugar umas paredes enormes que recortam a montanha desde o seu cume até
à Lagoa Negra, que fica uns 500m mais abaixo. No mesmo instante e do outro lado
da montanha, mas ali mesmo perto do pico e a mais de 2000m de altitude, com a
força do golpe, brota da terra, com toda a força, aquele que ainda hoje é o rio
mais forte da Ibéria (por ser o rio com maior caudal de água), o Rio Douro.
Mas não se pense que a batalha ficaria por aqui, durante
7 dias e 7 noites, continuaram a empurrar-se mutuamente, para ocidente primeiro
(assim surgem os Picos da Europa e cordilheira cantábrica, bem como as
montanhas galegas) e depois para sul (norte de Portugal).
Com golpes violentos que os desfiguravam e enfraqueciam,
as montanhas que daí provinham iam reduzindo de dimensão, no entanto, as quedas
eram cada vez mais frequentes e daí o terreno ter ficado tão agreste e sinuoso,
assim surgiram, por exemplo, montanhas como as do nosso Parque Nacional, a
Peneda-Gerês.
Ben continuava a tentar golpear Finn que se esquivava e
no lugar onde os punhos de Ben fissuravam a terra apareciam as chamadas fontes
benditas, pois dizia-se por aqui outrora que “Ben dita onde nascem os rios” e
por isso à nascente dum rio chamavam Fonte Ben-dita.
Por fim, aqui nestas terras, já perto do grande mar, e no
limite do cansaço, os dois gigantes tentavam desesperadamente um golpe final
que lhes desse a vitória no confronto. Agarrando-se um ao outro, praticamente
já só lhes restava discernimento para desferirem golpes mútuos com a cabeça no
intuito de quebrar o crânio do adversário e assim lograr vencer a contenda, no
entanto as forças eram cada vez mais escassas e as suas investidas apenas
resultavam em algumas fissuras superficiais naqueles couraçados.
E foi assim que, aqui mesmo neste local, já sem qualquer
energia vital, os dois colossos caíram por terra com as suas testas próximas e
com um fitar de morte que os petrificaria para sempre! Com os pés dentro do mar
e membros a empurrar as águas do Douro para sul, as suas cabeças ficaram para
todo o sempre aqui sepultadas, sob o pó da memória que pelos milénios aqui se
depositou para embelezar com um manto verde o local de tão horrenda contenda. Os
nossos antepassados que por aqui assistiram a tão catastróficos acontecimentos,
contaram às gerações seguintes que a batalha havia sido terrível e que nunca
houveram visto algo tão mau! Este lugar ficou para sempre conhecido pelos mais
sábios que contavam às novas gerações toda a história e lhes aconselhavam a não
mais se esquecerem que, o que outrora acontecera nas nossas terras, fora Muito Mauzinho!
Mas com o tempo também a memória destes
acontecimentos se iria perder, embora não totalmente, pois que neste local, em
que pisamos estas enormes massas de granito como se de uma calçada se tratasse,
afloram novamente os crânios petrificados e rachados dos gigantes que aqui
repousam depois da sua batalha final.
Talvez por
isso, também, este local seja conhecido por Monte Mózinho e que por aqui perto
nasça o Rio Mau!
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