A Lenda
da Figueira...
(Texto Original / Ilustrações da Internet)
Conta uma lenda que por aqui vivia um
Velho Sábio de quem não se sabe nome nem idade e que este velho cuidava de duas
meninas, suas filhas adoptivas, pois que misteriosamente, num dia de tempestade,
à sua porta apareceram.
As duas irmãs, embora muito diferentes
eram muito bonitinhas, uma simples e carinhosa a outra mais rebelde e
caprichosa. Sempre que podiam as meninas gostavam de subir o monte e brincar,
trepando rochas e árvores, cantando e rindo, eram alegria nos olhos dos
pastores e camponesas que as viam passar.
O local preferido para brincar, no alto do
Monte Mózinho, era num penedio a que chamavam, pela sua forma, do Castelo. No
meio desses penedos havia uma Figueira muito velha, de tão velha que o seu
tronco enorme, já meio oco, conseguiria abrigar um urso, se ursos por lá
houvera!
Numa tarde de Inverno em que o sol aquecia
o Mózinho, uma menina, num penedo sentada, entoava uma canção de sossegar para
a irmã que, mais traquina, se empoleirava numa árvore ali ao lado. Não sabiam
porém aquelas meninas que aquela velha Figueira, de tão velha que era, era
mágica e escondia um segredo que, para elas, seria terrível, pois a Figueira
tinha sido ali colocada para aprisionar uma serpente, uma serpente medonha
daquelas enormes como não há memoria de ter voltado a existir, daquelas que
engoliam uma pessoa inteira de um só golpe e que outrora espalhara morte e
destruição pela terra. Nesse outrora, a aldeia só respirou de alívio quando
apareceu por lá um mágico muito poderoso, de tão poderoso que era, que conseguira
aprisionar a gigante serpente, fazendo-lhe crescer uma figueira, assim como que
por magia e em poucos minutos, saindo pela cauda do bicho, crescendo e criando
raízes que enraizaram a serpente, ao rochedo, para sempre.
Como histórias passadas algum dia caem em
esquecimento, também já por esta altura, pela aldeia ninguém se lembrava da
história, mesmo porque já há muito que as cobras gigantes haviam desaparecido
da face da terra e ninguém se lembrava do seu perigo, embora se falasse de que
por vezes desaparecia algum pastor sem deixar rastro. Apenas o velho sábio ainda
conhecia o segredo e por isso proibira as suas filhas de se acercar ao Penedo
do Castelo e à velha Figueira… no entanto todos sabemos como são as crianças, mais
dia, menos dia, uma mais atrevida ou a outra mais esquecida, lá fazem aquilo
que lhes disseram para não fazer.
Nessa tarde enquanto a menina cantava, a
serpente no seu covil assobiava, música que a menina não sabia de onde vinha
mas que a atraía cada vez para junto da Figueira. De tão próxima chegar, acabou
por ficar ao alcance do bicho que agarrou a petiz e a aprisionou envolvendo o
seu corpo e asfixiando-a lentamente... a outra menina que brincava em cima da
árvore avistou a cena e correu pra lá mas ao chegar perto viu que nada podia
fazer, pelo tamanho do bicho, e decidiu ir chamar o pai!
A menina correu monte abaixo como se a
própria serpente a perseguisse.
A outra, enquanto a ajuda não chegava,
cantava, pois apercebeu-se que sempre que cantava a serpente folgava na força que
fazia, o que lhe permitia respirar ao mesmo tempo que a confortava no seu
receio de que o pai não chegasse a tempo de a ajudar.
Assim que soube, o velho sábio correu
monte acima, como se as pernas de velho fossem de menino, sempre com a
esperança de chegar a tempo de evitar uma tragédia. Ele tinha a noção que não
poderia usar a força para retirar a filha daquele apuro, por isso teria de
fazer o que melhor sabia fazer, usar a sua magia.
Assim que ao alto chegou, logo à serpente
com palavras se atirou, ameaçando-a com a ira da aldeia, dizendo-lhe que se não
parasse imediatamente de sufocar a criança iria convocar todos os aldeões e
juntos lhe atiçariam o fogo. Depois propôs-lhe um trato – prometeu-lhe fazer
uma Poção de Figueira (sem usar os frutos e outras partes daquela Figueira que
eram venenosos para aquela serpente, impedida pela magia que a aprisionava de
comer os frutos do seu próprio ser venenoso), uma Poção feita com toda a essência
da Figueira, o que a deixaria livre daquela prisão para sempre! No entanto a
Serpente teria de prometer que deixaria as suas filhas em paz, também para sempre.
A serpente não sabia se aquilo era
verdade, mas só de imaginar q poderia deixar aquela árvore para sempre e descer
à aldeia pra se banquetear com todos os aldeões – sim, ela não tinha de
prometer não comer ninguém, só as filhas, e mesmo essas, depois decidia – só de
pensar nisso já lhe crescia água na boca e disse logo que sim, mas que caso o
velho não cumprisse com a palavra iria comer aquela e apanhar a irmã. O Sábio
anuiu mas pediu alguma paciência, pois a Poção necessitava de um pouco de cada
figueira da aldeia e, como tal, seria demorada.
O velho e a filha desapareceram então
durante todo o dia e toda a noite. A outra menina, já liberta daquele sufoco,
ainda que prisioneira, dormia, enquanto a serpente se mantilha de pestana
aberta, bem vigilante, para não ser enganada.
No dia seguinte, bem cedo, apareceu o velho sábio e a
filha com um caldeirão cheio de Poção com umas coisas negras a boiar mas que a
serpente não distinguira bem o que seria pois estava cheia de sono de ter
passado a noite acordada. Cheirou aquilo e sentiu logo o aroma da Figueira. Mas
havia um problema, a cobra não conseguia beber! foi aí que o velho lhe explicou
que aquelas coisas negras, que via a boiar, eram ratazanas enormes do tamanho
de lebres que deveria comer para assim ingerir a Poção. Também a convenceu de
que se as engolisse rapidamente, as ratazanas até lhe iriam saber a carne
humana. É claro que não deveria ser bem assim, isto do sabor, mas com o sono e vontade
que o bicho estava de comer gente, tudo lhe pareceria perfeito naquele momento.
O bicho estava faminto e desejoso de liberdade por
isso apressou o velho a dar-lhe as ratazanas. A cobra ia comendo ao mesmo tempo
que sentia a sua cauda a libertar-se lentamente da raiz. O velho ia-lhe dando
mais e mais, mas quando ia a meio ameaçou parar se ela não libertasse a filha
definitivamente. A cobra percebendo que era verdade e que poderia mesmo
libertar-se da figueira, soltou a menina e o velho deu-lhe o resto das
ratazanas ensopadas em Poção, esvaziando assim o caldeirão.
A cobra, assim que se viu livre daquela prisão,
aproximou-se do velho e disse-lhe: “agora que estou livre, e cumpri a promessa
de libertar a miúda, vou-te comer a ti e tornar me eu a serpente mais poderosa
e sábia à face da terra”.
Mas assim que se preparava pra engolir o velho sábio
de uma só dentada, sentiu que algo a pressionava por todo o seu corpo,
lentamente a cobra ia ficando cada vez mais pequena até que parou de encolher.
O velho pegou-lhe então pela cabeça, olhou-a nos olhos
e disse-lhe: “tu não sabias, mas o Poder e a Sabedoria são duas águas que não
se misturam, já que, o Poder que conquista a Sabedoria e fica sábio, perde o
poder… e a Sabedoria que alcança o Poder e se torna poderosa, olvida o saber! A
poção que te dei era a sabedoria que te libertou da Figueira para sempre, mas que
também te tirou a capacidade – o poder – de comer os homens. Por isso, de hoje
em diante, tu e os teus filhos terão de se alimentar dos ratos que dizimam as
culturas dos homens e nunca ireis crescer mais do que um ramo de Figueira pois
eu e as minhas filhas caçar-vos-emos”.
Conta-se que depois desta história nunca mais se viu
nem ouviu falar, por aqui, do velho e das duas meninas e que pouco tempo depois
apareceram nos céus uns pássaros gigantes a que os aldeões chamaram de águias!…
e há mesmo por aí quem garanta já ter visto essas águias a caçar cobras por estes
campos!
E foi assim que as cobras desta terra
deixaram de ser uma ameaça para os aldeões para passarem a ser uma ajuda contra
as ratazanas que, agora, não passam de ratinhos do campo e como diz o povo que
é sabido:
enquanto a Águia
pairar por Figueira
não haverá Cobra
para assustar a Mondadeira,
nem Rato para
esvaziar a Eira.
© calcorreando 2016
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