sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

TEIDE 0-4, Anatomia de uma Aventura

Naquela 5ª feira, 19 de Janeiro de 2012, o Calcorreando meteu pés ao caminho, ou melhor dizendo, asas, já que usamos o avião para dar um pulinho àquela ilha Africana do arquipélago das Canárias que dá pelo nome de Tenerife (“Tene” significava “montanha” e “ife” branca, já o “r” foi adicionado pelos Espanhóis).

A ideia (que tinha sido ventilada há já uns tempitos atrás pelo Carlos Rodrigues) era a de se fazer uma ascensão “à homem”, ou seja, subir o Teide, que tem qualquer coisa como 3.718m de altitude, partindo da praia, algo como ir da cota 0 à cota 3.718… e numa só etapa ;-)

Inicialmente pensei que não iria conseguir juntar muitos interessados em partir para esta aventura, ainda para mais que eu estava limitado na minha disponibilidade e o Carlos não tinha disponibilidade, para o fazer nesta altura. Mas estava errado e, para além do Manuel António, montanheiro que me acompanhou ao Almanzor, logo apareceram mais 5 amigos que desde o jantar no Talasnal, na última caminhada na Serra da Lousã, ficaram com a pulga atrás da orelha e não resistiram à possibilidade de virem experimentar a sensação de estar no pico deste vulcão!

Como é obvio, para uma etapa com quase 4000m de desnível, é necessário estar bem, física e mentalmente, já que se por um lado será despendido um grande esforço físico para vencer a distância e altitude, por outro é necessária uma boa dose de mentalização que nos ajude a realizar uma boa parte da etapa em condições nocturnas e, por isso, com maior probabilidade de incidentes, dadas as condições do local e localização do trilho, em grande parte do trajecto fora de zonas de acesso público regular!

Por esse motivo e apesar da experiência de alguns dos amigos que me iriam acompanhar, e também para não me deixar levar por um qualquer impulsos de auto-confiança, optei por realizar dois testes, um em Valongo e outro no Gerês, de modo a verificar como estávamos de capacidade física em termos de velocidade e resistência! Se o primeiro treino, nos corta-fogos das Serras de Santa Justa e Pias, se destinou a testar a nossa resistência a um desnível acumulado feito com grandes pendentes, já o segundo treino, no Gerês, entre a Vila e o Borrageiro, se destinou a evidenciar aos participantes as dificuldades que poderiam sentir quer fisicamente, já que a pendente média estaria acima da realizada, quer mentalmente, já que teriam de percorrer com aquele nível de dificuldade uma distância muito superior…

Apesar de não ter podido realizar uma aferição no primeiro treino, já que a época natalícia condicionou a participação, foi possível no trilho do Gerês chegar-se à conclusão, creio que por unanimidade que, à data, só dois estariam em condições físicas de realizar o percurso nestas condições e no tempo que seria exigível, ou seja, num máximo de 16h de modo a alcançar o pico até ao pôr-do-sol, para quem saísse da praia, sendo que os restantes fariam a aproximação pelo Trilho da Montanha Branca.

Assim que estes preceitos foram definidos fizeram-se os últimos acertos no programa, definiram-se estratégias e reuniram-se os “Teidistas”, em casa da Lúcia, para o “estágio” final de preparação ;-)

Chegando à data de partida as ansiedades multiplicam-se já que o tempo disponível, quer para a realização do trajecto, quer para a estadia no local, estava bastante limitado e por isso era grande a vontade de que tudo corresse pelo melhor e que houvesse o menor número possível de incidentes! De qualquer modo à hora de partida lá estavam, o Francisco, a Lúcia, o Manuel Antº, a Marília, a Mariana e a Sofia, todos prontos, no aeroporto e com tudo em ordem… isto depois de umas transferências de malas abertas, algo que é corrente ver-se nas filas de check-in da Ryanair :-D

O avião, que sabia da nossa preocupação em chegar ao destino o quanto antes, até que se portou bem e chegou antes da hora prevista, já a tramitação na empresa de rent-a-car, jantar e viagem até ao outro lado da ilha, foi bem mais demorada, o que acabou por atrasar um pouco a chegada ao ponto de início e consequentemente a hora de partida!

Estávamos já no dia 20 de Janeiro de 2012 quando chegamos à Praia do Socorro, um local no lado norte (noroeste) da ilha, a poucos quilómetros da cidade de Puerto de la Cruz.

Entre os que se equipavam e os que não se equipavam, lá se iam fazendo as despedidas de boa sorte e tirando as fotos da praxe, de quem molha ali o seu pezinho, ou melhor, a botarrona! Ali ficaria o grupo separado, entre os que abalavam monte arriba e os que seguiriam prá cidade pra descansar umas horitas antes de, também eles, partirem rumo ao local de início do outro trilho!!! No entanto este descanso ficaria um pouco comprometido já que entre saltos na água e fotos de pé molhado a chave do “coche” resolveu ir tomar banho e foi preciso uma onda de sorte prá recuperar :D mas isso foi coisa que os dois aventureiros só souberam no dia seguinte pois a sua marcha rumo ao cume já havia iniciado ;-)

Eram cerca de 1h30m em Tenerife (e também em Portugal) quando saímos da areia da praia e começamos a nossa ascensão.

Desde início que o trilho apresenta uma acentuada pendente, muito embora nesta fase facilitada pelo facto de se fazer no alcatrão, ainda que por pouco tempo. À medida que se subia e víamos as luzes da estrada ficarem para baixo, sentia que estávamos a subir bem e rápido, já a visão das luzes lá no alto a indicar a presença de algumas casas numa cota bastante superior, não indiciava nenhuma redução da pendente, pelo menos até lá chegarmos.

Algo que me preocupara nos últimos dias, logo me assaltou neste inicio de etapa, o Calima, um vento que traz partículas de areia do Sahara e que já constava nas previsões meteorológicas. Isto porque mal começámos a subida a partir da estrada principal e já na escuridão dos caminhos que seguíamos era bem visível a enorme quantidade de partículas que a luz do frontal interceptava, as quais também, pouco depois, se sentiam já na respiração obrigando-nos a optar pela inspiração nasal, o que não é o mais confortável quando se está com passo rápido ;-)

Depois de uma parte inicial por caminhos empedrados, que faziam a ligação entre as povoações, e depois de sairmos de El Lance, já perto da cota dos 700m, entramos numa zona de trilho em terra batida, sem que, no entanto, a inclinação se tivesse reduzido, tendo mesmo aumentado nalguns troços! Um pouco mais à frente, além de inclinado, o trilho apresentava-se enlameado o que dificultava ainda mais a progressão. Foi precisamente numa destas rampas que, apoiando mal a bota, esta me escorregou uns bons 20cms a mais do que o desejável, para me dar um esticãozito num músculo qualquer, ali para os lados da virilha esquerda, que me ficaria a doer durante uma grande parte da ascensão, e que também me obrigou a reduzir a velocidade!

Nesta parte da etapa, totalmente nocturna e sem lua, em que só víamos o que o frontal nos deixasse ver, caminhávamos tanto por estradão como por trilhos no meio da vegetação, mas sempre com grande pendente que não nos deixava relaxar certos músculos. No meio desta escuridão só de tempos a tempos assomávamos a locais com menos vegetação, ou com uma qualquer clareira à esquerda, onde conseguíamos contemplar a encosta da Orotava e, aí sim, ver todas as luzes do vale que demarcavam estradas e acesso a urbanizações e casas isoladas!

Seria por perto da cota dos 1.000m que se encontraria a única fonte de toda a etapa do trajecto praia-pico, a Fuente de Pedro, mas a fonte (se a fonte era aquele tubo de pvc junto ao solo, partido em várias zonas) não nos inspirou grande confiança e decidimos contar apenas com a água que transportávamos connosco.

Os quilómetros iam ficando para trás, mas esta etapa estava ainda no início, as horas passavam, mas o nosso ritmo era bom e rapidamente conseguimos recuperar e alcançar os pontos de passagem (que havia definido numa simulação feita em casa), com tempos inferiores aos equivalentes a uma eventual saída, da praia, antes da 1h00. Por isso, e apesar de algumas dores em certos músculos das pernas que começavam a surgir muito por culpa da constante pendente elevada dos trilhos e do ritmo impresso desde o arranque, continuávamos bastante confiantes!

A lua só nos apareceu, por entre as arvores, por volta da cota dos 1.800m, mas logo deu para motivo de fotos e de conversa. Nesta altura, e apesar dos cerca de 15kms já calcorreados, a pendente continuava forte. Este facto desgastava-nos um pouco... olhávamos em frente e, derivado da escuridão, sentíamos a ausência de céu estrelado, até olharmos bem para cima, o que significava uma encosta bem prolongada ainda à nossa frente. Sabia que só por volta da cota dos 2.000m é que chegaríamos a uma zona de plataforma que nos permitiria descansar um pouco, no entanto, sentíamo-nos em forma e com força suficiente para continuar com aquele ritmo, bastando-me controlar a velocidade de modo a que a dor da virilha e as dores das pernas se mantivessem suaves e estáveis.

Nestas altitudes o trilho apresentou-se-nos com mais algumas dificuldade, por um lado, o pó, que por aqui era tanto que não sei se o que andava no ar seria do Calima, do chão (levantado pelo vento), ou de ambos! Por outro lado, também o frio era muito! Tirando a parte inicial em que as temperaturas estiveram perto dos 20ºc (junto ao mar), a partir duma cota próxima dos 400-600m, começamos a sentir arrefecimento sendo que por estas altitudes já apanhámos frio, e bastante frio para um céu tão limpo e tão seco! Provavelmente o facto de estarmos tão perto do mar e em Janeiro condicionasse a sensação térmica, já que sentíamos mais frio aqui do que o que sentíramos em Gredos (a uma cota superior e com queda de neve)!!!

Finalmente lá chegamos à cota dos 2.000m e, um pouco à frente num pequeno desvio de alguns metros, paramos numa espécie de miradouro, donde aproveitámos para contemplar, uma vez mais, a visão nocturna da ilha. A contemplar mas não por muito tempo que quando parávamos... gelávamos! ;-)

Por aqui, ainda que subindo, a inclinação da pendente ia decrescendo consideravelmente e cerca de um quilómetro mais adiante… finalmente, a capela. Esta capela indicava-me que acabara a subida e que a seguir teríamos uma inflexão de pendente, para além de indicar também que nos encontrávamos perto da boca da enorme caldeira que molda a paisagem da ilha.

Estávamos a precisar de parar um bocado e como a única hipótese era num local abrigado, decidi-me a “forçar” a abertura da porta (pêrra pela falta de uso e, muito provavelmente, também pelo frio) da pequeníssima capela para nos recolhermos lá dentro, sentados nuns baldes que por lá deixaram ficar!

Eram cerca de 7h20, ou seja, cerca de 6h após a nossa saída da praia - cota 0 – e estávamos nos 2.100m de altitude e a num ponto de transição, quer na paisagem, quer nas condições da caminhada, uma vez que faltava apenas cerca de meia hora para o nascer do dia! Decidimos, por isso, fazer uma pausa maior, cerca de 20 minutos, de modo a sair daquele local já com mais alguma luz, para se poder ver mais qualquer coisa e também para se poderem tirar as primeiras fotos com o Teide, o qual já estava visível, mas ainda não era fotografável ;-)

Finalmente uma experiência nova, descer em Tenerife! Tirando aquela descida de alguns degraus para ir ao ponto de partida na praia, esta 1ª parte da etapa é uma enorme e contínua subida!!! Só aqui ao entrar na caldeira se encontra a primeira, e única, descida de todo o trajecto praia-pico. Estamos também num ponto de cruzamento com os vários trilhos que ligam o Centro de Visitantes e o Trilho da Montanha Branca, à designada “Fortaleza”, que não é mais do que parte da antiga caldeira que não se desmoronou como aconteceu na zona que hoje forma a encosta/vale da Orotava, e no limite do qual se fez toda a ascensão anterior.

O dia começa a surgir e estamos já a caminhar no fundo da caldeira quando os primeiros raios de sol começam a iluminar o pico do Teide!!! Durante alguns momentos parámos para tirar umas fotos e filmar um pouco da invasão de luz sobre o pico da montanha.

Continuamos a caminhar por entre uma vegetação rasteira e muito parca, por onde se notava um manto branco mas muito dissimulado que indicava que ali a noite fora mesmo fria. Procurámos um local mais aberto onde já incidissem os raios solares para fazer uma nova paragem e observar a envolvente, já que nos encontrávamos numa antiga e monumental caldeira com uma “fortaleza” pelas costas e um pico de quase 2.000m pela frente!!!

Nesta pausa, já com aquecimento natural, aproveitámos para tomar o pequeno-almoço, pois já estaria na hora dele, uma vez que já passaria das 8h30! Mas algo não correu bem com este pequeno almoço, já que pouco tempo depois, numa zona plana como a que vínhamos atravessando, com uma cota ligeiramente superior aos 2.000m mas bastante inferior aos cerca de 2.100m de cota da capela onde se concluíra a ascensão, comecei a sentir uma má disposição num misto de tonturas e enjoo que me obrigou a reduzir o passo... passado pouco tempo depois, a indisposição já era tanta que tive mesmo de parar! Nesta altura, já o Manuel Antº ia bem à frente sem perceber se eu ficara para trás a tirar fotos ou no wc, até que, passado algum tempo e estranhando tanta ausência, veio atrás verificar o que se estava a passar!

Ali estava eu, parado, num estado de agonia, à espera que as entranhas se me acalmassem um pouco, enquanto ia pensando no que poderia estar a acontecer! Seria algo que comera?! Não estava a ver nada que pudesse fazer aquele efeito, embora, entre a barra de cereais (que não havia experimentado antes), a sande (de paté, queijo e fiambre que já era habitual no menu doutras caminhadas) ou o sumo (dum novo concentrado de frutos vermelhos que também não tinha experimentado antes), havia muitas suspeitas!!! Seria o mal das alturas?! Também não descartava esta hipótese, muito embora o facto de a indisposição me ter dado a uma cota de 2.000m precisamente após uma descida de altitude e com baixo ritmo de progressão, me parecesse ser essa uma causa algo improvável... De qualquer modo, a prudência levou-me a ingerir um anti-ácido e também uma aspirina, para atacar a eventualidade, quer de um mal de estômago, quer um mal de altitude, com as “balas” que tinha, anti-ácido para o primeiro e aspirina para o segundo! Como não houve qualquer efeito imediato do anti-ácido, aumentou a preocupação... mas havia que seguir, pois já estava parado há demasiado tempo pró meu gosto!!! ;-)

A progressão seguia por terreno relativamente plano, mas fazia-se de forma penosa, devido à indisposição! Era preciso caminhar… por outro lado as pernas estavam bem, sem sinais de fadiga, as dores musculares haviam desaparecido e mesmo a dor na virilha já mal se sentia! Por isso, a caminhada prosseguiu, comigo mais ou menos enjoado, progredindo com lentidão e intercalando-se mais paragens do que o inicialmente previsto!

Calcorreamos por paisagens de tufos de ervas, areias e rocha vulcânica desagregada até que surgiram os primeiros “Ovos do Teide”, designação que deram a umas negras rochas magmáticas que se espalharam no fundo da caldeira do primitivo vulcão, numa das erupções posteriores à formação desta gigantesca caldeira! Após nos depararmos com os primeiros exemplares destes “ovos”, o trilho sobe um pouco mais, com uma pendente mais acentuada, para se juntar, primeiro, ao trilho que vem do centro de visitantes, e depois, ao trilho dito da montanha branca, o qual, deveria trazer ao nosso encontro os amigos que deixáramos, há pouco mais de 8h, na praia do socorro e que deveriam já estar a percorrer este trilho, o qual tem início num estacionamento localizado nas proximidades do acesso inferior ao teleférico!

Altura para mais uma paragem, desta vez na presença de outros montanheiros, ou seja gente, algo que já não víamos desde a nossa partida, na praia! Tentámos, embora sem sucesso, o contacto via rádio, pois eram cerca das 10h da manhã, precisamente a hora que indiquei ao outro grupo como sendo a hora limite (a hora mais tarde) para darem início a este Trilho do Monte Branco, de modo a conseguirem, de acordo com os meus cálculos, chegar ao pico antes do pôr-do-sol. Ainda se tentou, mas também sem sucesso, o contacto via telemóvel! Nesta situação, sem possibilidade de contacto, prosseguimos o nosso caminho, sem saber se o outro grupo já tinha passado este ponto ou se ainda vinha a caminho e se estavam longe ou perto de nós, já que o combinado era que se os grupos não se conseguissem contactar, prosseguiriam independentes!

Esta parte comum com os outros trilhos, em que agora prosseguíamos, é feita num estradão bem largo, subindo, mas sem as pendentes dos primeiros 2000m.

Eu, lá ia, seguindo o Manuel Antº, conforme podia, com passo reduzido pois sentia-me ainda muito angustiado! Na indisposição aproveitava cada paragem para olhar em torno e recolher as imagens, daquela paisagem, da imensa caldeira que deixávamos para trás assente num manto de nuvens, bem como do imponente cone do vulcão que, ainda, tínhamos pela frente!

Um pouco mais adiante, aproximadamente na cota dos 2.700m, atingimos por fim a base do Teide, ou seja, o local onde se ergue mais abruptamente o cone do vulcão cujo pico nos aguardava, 1.000m mais acima!!!

Ora cá estávamos nós! Era agora o momento da verdade... faltava a parte pior!!!
Estávamos nós com cerca de 20kms nas pernas, mais 2.700m nos pulmões... e eu com uma indisposição como nao tinha memoria!!!... Só me apeteceu dizer uma coisa: (Palavrão-Censurado!!!)

Naquela hora tinha a cabeça em turbilhão... deveria terminar ali e desistir? Hipótese que passa e é logo afastada, tinha de estar mesmo muito mal para isso acontecer!... deveria dizer ao Manuel Antº para seguir ao seu ritmo e fazer o pico enquanto eu vejo se consigo chegar ao refugio? Como ele ainda não tinha levantado qualquer problema e ainda havia muito tempo pela frente, opto por ficar calado e deixar isso para depois!

Está na altura de prosseguir... come-se qualquer coisa, pois temos pela frente 550m de ascensão ate ao refúgio... com menos de meio litro de líquidos!... Telefone toca... era o Francisco a informar que ainda estavam a começar a sua etapa!... Hummm, muito tarde! Seriam umas 11h15 e atendendo a que alguns elementos do grupo não me pareciam na melhor forma... isto também não augurava nada de bom!!!

Meto pés ao caminho com a sensação de que vou ter de me arrastar até lá cima... um bocadinho de cada vez... faz-se os primeiros 100m (em altura), é pouco mais que a altura da Ponte D. Luis, mas já só ficam a faltar 400m pró refúgio (nestas alturas é conveniente arredondar para baixo ;-). Quando a indisposição aumenta, controla-se o ritmo e vê-se se já subimos mais 10 metritos... e se subimos 15m, ganha-se confiança... nada de elevar a fasquia quando se está em dificuldades... entretanto o altímetro passa os 2.900m e já só se pensa no objectivo de conseguir chegar aos 3.000m!!! Ver a base de partida, deste tramo, ficar lá em baixo também anima... olhar para cima e não ver vestígios de refúgio, é que não anima nada!... Queria dizer ao Manuel Antº para fazer uma paragem na cota dos 3.000m, mas como ele entretanto saíra do meu campo de visão, opto por fazer eu essa pausa, aproveitando para tirar umas fotos e contemplar aquela vista de pássaro, agora já bem acima das nuvens!!!

De volta ao trilho pouco tempo depois (que isto de ir devagar não admite paragens muito demoradas) mas já com a certeza de que pelo menos ao refúgio consigo chegar! Muito embora soubesse que o objectivo não era esse, e que a ideia era mesmo fazer o cume neste dia, os cerca de 700m ainda por vencer, pareciam monstruosos naquelas condições... ainda por cima a simples ideia de que pudesse ter de deixar o cume pró dia seguinte deixava-me... assim como que... bastante irritado com a situação! ;-)

Um pouco depois da paragem dos 3.000m, toca o telefone! Era o Manuel Antº que tinha chegado ao refúgio! Fiquei a saber que a antena que estava a ver mais acima era uma referência da localização do refúgio, pelo que já dava para ter a noção da sua proximidade... Apesar disso ainda demorei uns looongos 20min a alcançá-lo!!!

Ter o altímetro nos 3.250m e ver aquela casinha ali, fica-se logo com vontade de dar as ultimas passadas nem que seja num misto de fúria e esforço... pousa-se a mochila com alívio e bebe-se o ultimo gole de agua como que a antever uma barrigada reconfortante, ali dentro, com uma caminha ou pelo menos um banquinho para deitar e esticar os músculos...

- Tá Fechado!!!... diz o Manuel Antº
- Como é que "Tá Fechado"?!!!... Mas que raio de abrigo é este?!!!

Há que inspeccionar... ver o gradeamento... que não dá para abrir!... Dizer uns palavrões, e tocar na campaínha, num misto de insulto a algo indefinido com uma resignação do tipo "deixa lá ver se isto serve para alguma coisa"... a verdade é que serviu, nem que fosse só para acordar o guarda do refúgio que disse não perceber porque é que a grade exterior estava fechada!

Finalmente conseguíamos entrar no refúgio! Mas nem por isso as coisas ficavam facilitadas, pois assim que perguntei onde podia abastecer de água, o guarda responde que ali não havia água!!! Mas, mas,... como é que "Não Há Água", mas q raio de refúgio era aquele?!! pensei cá para mim... isto não se faz ao meu pobre coraçãozinho, já o tinha feito subir  mais de 3.000m duma assentada, não havia necessidade de o provocar com notícias destas :-P

Vejamos, tecnicamente, o refugio estava fechado, sim, e só abria às 17h... note-se que eu tinha chegado as 13h30 (e o Manuel Antº ainda mais cedo). Ou seja, podia-se entrar para a zona de estar que tinha uns sofás e umas máquinas de café e refrigerantes, mas não havia acesso a wcs's, dormitórios, refeitório ou cozinha, em resumo, nada de torneiras! Única solução era beber pagando... hummm cheira-me a comércio forçado!!!

Coca-cola de 33cl a 4€, água de 33cl a 3€ e café ou chocolate quente em 20cl a 2€... não é agradável, nada mesmo! Então, vir para o monte beber coca-cola, nem a brincar!... Pagar uma taxa de abastecimento d'água de 10€/Lt é algo que ainda deve demorar a acontecer, embora já tivéssemos estado mais longe desse dia!!... Por isso, optamos pelo chocolate quente que traz sempre um certo elan, digamos que, alpino ;-) e deitamo-nos ao comprido nos sofás que por agora, ainda são grátis!!!

Parámos por ali cerca de uma hora, o Manuel Antº parece que ainda aproveitou grande parte do tempo, mas eu acho que só consegui desligar durante uns 10 a 15minutos... não me sentia cansado mas a indisposição, ainda que incomodasse menos, teimava em não ir embora... por isso, e tendo em conta que poderia demorar bastante a percorrer o caminho em falta, tornava-se importante meter pés ao caminho, já que o ritmo ia continuar lento!

Como eu já não tinha água, e nenhum de nos queria pagar a "taxa" de abastecimento (é verdade… que dois forretas :-), o Manuel Antº decidiu partilhar os 300ml que lhe restavam, para podemos “atacar” o próximo objectivo, que era o de vencer o desnível de 300m que nos separava da estação superior do teleférico, à cota de 3.550m!!!

Lá fomos devagarinho, continuando a subir com o mesmo declive acentuado com que já subíramos desde a base do cone do Teide até ao refúgio, sendo que, só já na parte final, deste novo troço, é que o declive iria decrescer, para depois entrar numa zona de altos e baixos que vai desembocar na dita estação de teleférico!

Mesmo que eu quisesse esconder, o meu ritmo não deixava dúvidas acerca do que se passava cá dentro... e nesta altura já eu começava a reparar que o meu parceiro de aventura, também começava a acusar algum cansaço!

E foi ali, por perto do meio deste tramo do percurso (refúgio-teleférico), quando pouco passava das três da tarde, que recebemos noticias de alguém que vinha no outro grupo... era a Marília que por sms nos dava conta de que já chegara ao refúgio! Dizia ainda que estava bem e que ia continuar a subir, ao que eu retorqui que viesse que não tardaria em apanhar-me (estava a ser sarcástico comigo próprio, já que ela não podia perceber que o motivo era a baixa velocidade da nossa progressão e não a eventualidade de estarmos perto dela ;-). Isto enquanto estávamos nós em mais uma daquelas paragens, pouco técnicas, de observação paisagística e de... contrição ;)

Finalmente, por volta das 16h15, chegámos à estação de teleférico... e como a nossa bebida já era, a primeira coisa que fizemos foi procurar uma torneira! Ainda pensei que pudesse haver um bar ou algo do género, mas a única coisa que encontrámos foi um edifício térreo, ao lado (mas separado) da estação de teleférico, apenas com wc's... desta vez já ninguém se pôs a indagar da qualidade da água... foi entrar e encher a garrafita, que isto de ser esquisito com o espectro químico-bacteriológico do líquido é para citadinos! ;-) e depois podia ser que, caso a coisa desse pro torto, me endireitasse as entranhas :-D

Aproveitamos para fazer uma nova paragem neste local, agora também para recuperar forças e temperatura (que o vento não estava nada meigo). Também procurei indagar se haveria teleférico no dia seguinte (dúvida que me surgiu pela mesma razão - o vento forte), já que podia ser necessário no caso de se querer voltar ao cume na manhã seguinte para ver o nascer do sol (isto se fosse para cumprir à risca o plano inicial, pois da maneira que me sentia, tinha já perdido a vontade de voltar a fazer aquela subida na madrugada seguinte). De qualquer modo o teleférico também podia vir a ser útil caso houvesse quem não conseguisse alcançar o cume antes do dia acabar, embora neste caso houvesse o problema dos "Permissos" que só eram válidos para o corrente dia e só para o período entre as 15h e as 17h

Depois de dadas todas estas voltas e já perto das 16h30 dirigimo-nos à portinhola de acesso ao tramo final do trilho, que nos levaria ao pico do teide e, onde supostamente deverão fazer o controlo de acessos! Supostamente, já que ninguém nos disse nada e como a cancela não tinha fecho foi abrir e seguir caminho!

Mal começávamos esta ascensão final, logo avistámos alguém com um casaco cor-de-rosa, bem vistoso, que inicialmente descia e pouco depois parava como que a observar-nos! Não demorei muito a perceber que era a Marília, tinha passado por nós enquanto estávamos na zona do teleférico e não tinha parado, convicta de que já estaríamos mais acima! Como já tinha feito um pouco daquele trajecto sem nos encontrar, e não lhe parecera seguro subir nas condições de vento que ali encontrou, preparava-se para descer quando nos viu iniciar aquela subida!

Efectivamente o vento era forte a ponto de nos poder desequilibrar e o trilho muito exposto em certos troços mais virados para nordeste... quando estávamos na zona do teleférico cheguei mesmo a recear que não nos deixassem subir, tal era a ventania que se sentia/ouvia, o único pró é que o teleférico estava em funcionamento e como dizia o funcionário, “se o vento não piorar, amanhã haverá teleférico”! Por este motivo a minha convicção era q a situação requeria muito cuidado mas não justificava que se abortasse a incursão ao cume, e por isso lá fomos, deitados contra o vento ou agarrados a um murête lateral, sempre q a força do vento ameaçava varrer-nos para fora do trilho... ah, e parando de vez em quando que a minha indisposição, apesar de ter aliviado um pouco, não tinha voado com o vento… com muita pena minha!!! Por outro lado, tínhamos ali a Marília a fazer-nos companhia na parte final, cheia de ânimo e força, o que de certa forma também nos animava/ajudava a terminar a etapa!

Devido à forma do cone do vulcão nesta zona e também por não haver uma definição do ponto de pico (falta lá um marco tipo espigão ou algo do género), apenas nos apercebemos que estamos a chegar quando aparecem algumas correntes a formar um corrimão… e que no caso, muito jeito nos deram, para fazer os metros finais... e para tirar algumas fotos de brincadeiras de quem parece que está a ser arrastado pelo vento ;-)

Cerca das 17h30, e aproximadamente 16h depois de deixar o mar, a tão desejada meta, estava ali à nossa frente, finalmente! Só parei quando tive a certeza que os meus olhos estavam bem acima de qualquer ponto do cume deste vulcão que nos elevara aos 3.718m, acima do nível do mar... havíamos conseguido ultrapassar um desnível com a magnitude daquela cota, percorrendo quase 30kms de distância, em tão somente… uma única etapa!!! Sem dúvida algo para recordar :-)

Continua...