sexta-feira, 22 de abril de 2016

A LENDA DOS GIGANTES


A Lenda dos Gigantes, sua Calçada e seu Cansaço...
(Texto Original / Ilustrações da Internet)

No norte da Irlanda existe um local mágico a que chamam a Calçada dos Gigantes! É uma espécie de calçada de basalto em que as pedras de forma hexagonal parecem só terminar no centro da Terra! Ora, segundo a lenda local, a calçada que ali se encontra são as ruinas duma antiga via que aí fora construída por um gigante irlandês de seu nome Fionn mac Cumhaill (também conhecido por Finn) com o intuito de ligar a sua ilha à Escócia, onde iria defrontar um outro gigante, este escocês e conhecido por Benandonner (Ben), de quem recebera o desafio para um confronto que determinaria qual dos dois era o mais poderoso!

 
Assim que chegou à Escócia, Finn logo se apercebeu que Ben era bem maior que ele e que por isso dificilmente o venceria. O gigante resolveu então voltar à sua terra sem confrontar o adversário. Contudo o escocês soubera que o irlandês construíra a calçada e que por isso já poderia atravessar o mar para o defrontar! Ben decidiu então partir no encalce do seu adversário com o intuito de o esmagar no seu reduto e demonstrar, desse modo, todo o seu poderio.

Com a nova estrada, não lhe foi muito difícil chegar até ele, mas ainda o gigante Ben vinha a caminho e já Oonagh (Oona), a astuta mulher de Finn, congeminava um plano para livrar o marido dum confronto que parecia inevitável. Oona vestira o marido de modo a aparentar que se tratava de um bebé gigante e não de um guerreiro. Depois decorou um enorme caixote como se se tratasse de um berço e Finn deitou-se lá.

Deste modo, assim que Ben alcançou a casa de Finn, apenas encontrou a mulher e o suposto filho no berço. Ao ver tamanho bebé, o gigante ficou logo apreensivo, se o filho era assim então como seria o pai! Oona contou então que o marido se ausentara mas que estaria quase a chegar e serviu-lhe uns biscoitos caseiros enormes. O gigante aceitou a oferta sem desconfiar que no seu interior estava uma argola de ferro. Ao morder o doce, Ben soltou um grito com a dor do dente a partir. A mulher aproveita então para insultar o gigante chamando-lhe fraco por não conseguir comer um dos seus biscoitos, que o marido tanto apreciava, e dando um, sem recheio de ferro, ao camuflado Finn, diz-lhe que até um bebé os consegue comer! Ao ver tamanho feito, Ben decide abandonar de vez aquela ilha com medo de tal gigante que tinha um filho daquele tamanho e se alimentada com doces que lhe partiam os dentes!

No regresso a casa Ben ainda destrói a calçada para que o outro gigante não o pudesse procurar na sua pátria escocesa! 

Para os nossos amigos do norte a história termina aqui, mas para nós não… é que passados algum tempo chega por fim aos ouvidos de Ben a notícia de que na verde ilha irlandesa todos o gozavam por ter fugido de um gigante menos gigante que ele, contando-se as peripécias de como havia sido enganado pela mulher! 

Desta vez não haveria contemplação, Ben estava furioso, os seus olhos soltavam esgares aniquiladores e a sua respiração libertava um sopro de destruição. Prometeu não voltar sem destruir Finn e a terra que ele pisasse! 


Como já não existia a passagem construída por Finn entre as duas ilhas, Ben enche-se de coragem e resolve ir a “Mull of Kintyre”, um local de grande significado para os escoceses e dar um salto gigante para “Torr Head” na outra ilha, mesmo porque estes dois locais são os pontos mais próximos geograficamente entre os dois territórios e daí o local ideal para conseguir tal feito. 

Com este salto toda a ilha irlandesa é abalada pelo peso do gigante ao aterrar no solo. Finn, prevenido da ameaça que se aproxima e sabendo que desta vez não conseguiria ludibriar o gigante, decide partir para terras longínquas para evitar que a sua bem-amada pátria fosse destruída com a batalha de gigantes que, agora sim, seria inevitável!

A sua intenção agora é a de alcançar as terras do fim-do-mundo - a Callaicia - nome por que era outrora conhecido o norte da península ibérica. Para isso, Finn teria de utilizar uma outra passagem, esta feita com umas barcas flutuantes gigantes, que ele, secretamente, havia construído para ligar o seu território à Bretanha (actualmente na França) e de onde poderia alcançar o distante território da Callaicia, no fim-do-mundo antigo.

Enquanto Finn foge, Ben corre atrás dele deixando um rasto de destruição à sua passagem, não ficando qualquer barca para contar a história desta passagem flutuante para gigantes.


O campo de batalha escolhido por Finn para enfrentar o seu oponente foram as terras actualmente designadas por Meseta Central Ibérica que outrora se estendia também por toda a metade norte da península, aí se confrontaram os dois colossos insulares, mas o seu poder era equivalente sendo a menor envergadura de Finn compensada pela sua maior astucia, talvez por isso se diz agora de alguém astuto que é “fino”.

O combate durou uma eternidade e foi de uma brutalidade extrema. De cada vez que um dos gigantes era lançado ao terreno surgiam montes e vales logo inundados por torrentes de água que em tempestades jorravam dos céus tumultuosos pela fúria que emanava daqueles gigantes. Poderá ser apenas mais uma lenda mas a verdade é que a história de D. Quixote, que perseguia gigantes imaginários por terras da Mancha, poderia estar relacionada com esta luta ou de alguma memória que guardasse o seu rastro, ainda que um pouco deslocalizado. 

Quanto aos combates, Finn aproveitava o bastão de que se fazia sempre acompanhar para, com alguns golpes de destreza, conseguir atirar o gigante escocês ao solo. E assim o fez na primeira batalha, logo que Ben se preparava para entrar na Ibéria. A luta prosseguiu algum tempo por ali, com ambos os guerreiros a atingir o solo com tal violência que ainda hoje por ali se encontram algumas das montanhas mais altas da península - os Pirinéus – num desses golpes Finn para derrubar o seu adversário espetou o seu bastão no solo com tal força que as águas que naquela zona deveriam escorrer naturalmente para o Mediterrâneo (a sul da península), ainda hoje caiem nesse buraco, feito pelo seu cajado, e vão parar ao Atlântico (a norte da península).


À medida que a batalha progredia, Ben mais potente facilmente se erguia e atirava com o adversário para ocidente, num desses golpes a queda de Finn fez com que surgisse uma nova montanha, hoje conhecida como Urbião/Urbión, onde Finn quase perdia os sentidos ficando com a cabeça encostada ao pico da montanha, Ben preparava-se então para lhe desferir o golpe fatal quando aquele se desvia no ultimo instante.

A força com que o punho de Ben atinge a montanha, onde já não estava a cabeça de Finn, é tal que parte do pico da montanha desaparece, deixando no seu lugar umas paredes enormes que recortam a montanha desde o seu cume até à Lagoa Negra, que fica uns 500m mais abaixo. No mesmo instante e do outro lado da montanha, mas ali mesmo perto do pico e a mais de 2000m de altitude, com a força do golpe, brota da terra, com toda a força, aquele que ainda hoje é o rio mais forte da Ibéria (por ser o rio com maior caudal de água), o Rio Douro.

Mas não se pense que a batalha ficaria por aqui, durante 7 dias e 7 noites, continuaram a empurrar-se mutuamente, para ocidente primeiro (assim surgem os Picos da Europa e cordilheira cantábrica, bem como as montanhas galegas) e depois para sul (norte de Portugal).

Com golpes violentos que os desfiguravam e enfraqueciam, as montanhas que daí provinham iam reduzindo de dimensão, no entanto, as quedas eram cada vez mais frequentes e daí o terreno ter ficado tão agreste e sinuoso, assim surgiram, por exemplo, montanhas como as do nosso Parque Nacional, a Peneda-Gerês.


Ben continuava a tentar golpear Finn que se esquivava e no lugar onde os punhos de Ben fissuravam a terra apareciam as chamadas fontes benditas, pois dizia-se por aqui outrora que “Ben dita onde nascem os rios” e por isso à nascente dum rio chamavam Fonte Ben-dita.

Por fim, aqui nestas terras, já perto do grande mar, e no limite do cansaço, os dois gigantes tentavam desesperadamente um golpe final que lhes desse a vitória no confronto. Agarrando-se um ao outro, praticamente já só lhes restava discernimento para desferirem golpes mútuos com a cabeça no intuito de quebrar o crânio do adversário e assim lograr vencer a contenda, no entanto as forças eram cada vez mais escassas e as suas investidas apenas resultavam em algumas fissuras superficiais naqueles couraçados.

E foi assim que, aqui mesmo neste local, já sem qualquer energia vital, os dois colossos caíram por terra com as suas testas próximas e com um fitar de morte que os petrificaria para sempre! Com os pés dentro do mar e membros a empurrar as águas do Douro para sul, as suas cabeças ficaram para todo o sempre aqui sepultadas, sob o pó da memória que pelos milénios aqui se depositou para embelezar com um manto verde o local de tão horrenda contenda. Os nossos antepassados que por aqui assistiram a tão catastróficos acontecimentos, contaram às gerações seguintes que a batalha havia sido terrível e que nunca houveram visto algo tão mau! Este lugar ficou para sempre conhecido pelos mais sábios que contavam às novas gerações toda a história e lhes aconselhavam a não mais se esquecerem que, o que outrora acontecera nas nossas terras, fora Muito Mauzinho! Mas com o tempo também a memória destes acontecimentos se iria perder, embora não totalmente, pois que neste local, em que pisamos estas enormes massas de granito como se de uma calçada se tratasse, afloram novamente os crânios petrificados e rachados dos gigantes que aqui repousam depois da sua batalha final.


Talvez por isso, também, este local seja conhecido por Monte Mózinho e que por aqui perto nasça o Rio Mau!


© calcorreando 2016