sábado, 31 de dezembro de 2016

Actividades Realizadas em 2016


Por ordem cronológica:


26 de Dezembro - Serra do Gerês - Calcorreando de Leonte ao Pé de Cabril

24 de Dezembro - Serras do Porto - Calcorreando das Minas ao D'Ouro

4 de Dezembro - Penafiel - com o G.E.N.O.M.A. na Rota do Românico, Ma Non Troppo

13 de Novembro - Serra do Gerês - Calcorreando no Trilho da Rocalva (c/ Cutelo de Pias)

29 de Outubro - Galiza - com o G.E.N.O.M.A. nos Moinhos d'O Rosal e Monte Aloia

16 de Outubro - Serra do Marão - c/ Amigos do Pedal de Mafomedes à Sra da Serra (1.415m)

1 de Outubro - Serras do Porto - Ensaio às Minas das Banjas

24 de Agosto - Penafiel - Ensaio Final ao Trilho de Lagares "Trilho das (12) Meninas"

4 de Agosto - Penafiel - Caminhada Infantil no Trilho de Figueira (Rural)

3 de Agosto - Penafiel - Caminhada Infantil no Trilho de Figueira (Monte)

10 de Julho - Penafiel - com o G.E.N.O.M.A. na Inauguração do "Trilho das Lendas"

11 de Junho - Maciço Central dos Pirinéus - Ascenção ao Pico do Aneto (3.404m)
10 de Junho - Picos de Urbión - Ascenção do Urbión (2.228m) e Nascente do Rio Douro

6 de Março - Serra do Larouco - Calcorreando de Padornelos ao Larouco (1.535m)

20 de Fevereiro - Penafiel - Calcorreando por Figueira

10 de Fevereiro - Província de Cádiz - Calcorreando por Setenil de las Bodegas
9 de Fevereiro - Serras de Ronda - Calcorreando na Cueva de la Pileta
9 de Fevereiro - Província de Málaga - Calcorreando no Caminito d'El Rey
8 de Fevereiro - Calcorreando pelas praias de Marbella
7 de Fevereiro - Província de Huelva - Calcorreando na Gruta de las Maravillas

23 de Janeiro - Tapada de Mafra - Calcorreando com Lobos

16 de Janeiro - Serra do Gerês - Caminhada Infantil na Pedra Bela


sexta-feira, 22 de abril de 2016

A LENDA DOS GIGANTES


A Lenda dos Gigantes, sua Calçada e seu Cansaço...
(Texto Original / Ilustrações da Internet)

No norte da Irlanda existe um local mágico a que chamam a Calçada dos Gigantes! É uma espécie de calçada de basalto em que as pedras de forma hexagonal parecem só terminar no centro da Terra! Ora, segundo a lenda local, a calçada que ali se encontra são as ruinas duma antiga via que aí fora construída por um gigante irlandês de seu nome Fionn mac Cumhaill (também conhecido por Finn) com o intuito de ligar a sua ilha à Escócia, onde iria defrontar um outro gigante, este escocês e conhecido por Benandonner (Ben), de quem recebera o desafio para um confronto que determinaria qual dos dois era o mais poderoso!

 
Assim que chegou à Escócia, Finn logo se apercebeu que Ben era bem maior que ele e que por isso dificilmente o venceria. O gigante resolveu então voltar à sua terra sem confrontar o adversário. Contudo o escocês soubera que o irlandês construíra a calçada e que por isso já poderia atravessar o mar para o defrontar! Ben decidiu então partir no encalce do seu adversário com o intuito de o esmagar no seu reduto e demonstrar, desse modo, todo o seu poderio.

Com a nova estrada, não lhe foi muito difícil chegar até ele, mas ainda o gigante Ben vinha a caminho e já Oonagh (Oona), a astuta mulher de Finn, congeminava um plano para livrar o marido dum confronto que parecia inevitável. Oona vestira o marido de modo a aparentar que se tratava de um bebé gigante e não de um guerreiro. Depois decorou um enorme caixote como se se tratasse de um berço e Finn deitou-se lá.

Deste modo, assim que Ben alcançou a casa de Finn, apenas encontrou a mulher e o suposto filho no berço. Ao ver tamanho bebé, o gigante ficou logo apreensivo, se o filho era assim então como seria o pai! Oona contou então que o marido se ausentara mas que estaria quase a chegar e serviu-lhe uns biscoitos caseiros enormes. O gigante aceitou a oferta sem desconfiar que no seu interior estava uma argola de ferro. Ao morder o doce, Ben soltou um grito com a dor do dente a partir. A mulher aproveita então para insultar o gigante chamando-lhe fraco por não conseguir comer um dos seus biscoitos, que o marido tanto apreciava, e dando um, sem recheio de ferro, ao camuflado Finn, diz-lhe que até um bebé os consegue comer! Ao ver tamanho feito, Ben decide abandonar de vez aquela ilha com medo de tal gigante que tinha um filho daquele tamanho e se alimentada com doces que lhe partiam os dentes!

No regresso a casa Ben ainda destrói a calçada para que o outro gigante não o pudesse procurar na sua pátria escocesa! 

Para os nossos amigos do norte a história termina aqui, mas para nós não… é que passados algum tempo chega por fim aos ouvidos de Ben a notícia de que na verde ilha irlandesa todos o gozavam por ter fugido de um gigante menos gigante que ele, contando-se as peripécias de como havia sido enganado pela mulher! 

Desta vez não haveria contemplação, Ben estava furioso, os seus olhos soltavam esgares aniquiladores e a sua respiração libertava um sopro de destruição. Prometeu não voltar sem destruir Finn e a terra que ele pisasse! 


Como já não existia a passagem construída por Finn entre as duas ilhas, Ben enche-se de coragem e resolve ir a “Mull of Kintyre”, um local de grande significado para os escoceses e dar um salto gigante para “Torr Head” na outra ilha, mesmo porque estes dois locais são os pontos mais próximos geograficamente entre os dois territórios e daí o local ideal para conseguir tal feito. 

Com este salto toda a ilha irlandesa é abalada pelo peso do gigante ao aterrar no solo. Finn, prevenido da ameaça que se aproxima e sabendo que desta vez não conseguiria ludibriar o gigante, decide partir para terras longínquas para evitar que a sua bem-amada pátria fosse destruída com a batalha de gigantes que, agora sim, seria inevitável!

A sua intenção agora é a de alcançar as terras do fim-do-mundo - a Callaicia - nome por que era outrora conhecido o norte da península ibérica. Para isso, Finn teria de utilizar uma outra passagem, esta feita com umas barcas flutuantes gigantes, que ele, secretamente, havia construído para ligar o seu território à Bretanha (actualmente na França) e de onde poderia alcançar o distante território da Callaicia, no fim-do-mundo antigo.

Enquanto Finn foge, Ben corre atrás dele deixando um rasto de destruição à sua passagem, não ficando qualquer barca para contar a história desta passagem flutuante para gigantes.


O campo de batalha escolhido por Finn para enfrentar o seu oponente foram as terras actualmente designadas por Meseta Central Ibérica que outrora se estendia também por toda a metade norte da península, aí se confrontaram os dois colossos insulares, mas o seu poder era equivalente sendo a menor envergadura de Finn compensada pela sua maior astucia, talvez por isso se diz agora de alguém astuto que é “fino”.

O combate durou uma eternidade e foi de uma brutalidade extrema. De cada vez que um dos gigantes era lançado ao terreno surgiam montes e vales logo inundados por torrentes de água que em tempestades jorravam dos céus tumultuosos pela fúria que emanava daqueles gigantes. Poderá ser apenas mais uma lenda mas a verdade é que a história de D. Quixote, que perseguia gigantes imaginários por terras da Mancha, poderia estar relacionada com esta luta ou de alguma memória que guardasse o seu rastro, ainda que um pouco deslocalizado. 

Quanto aos combates, Finn aproveitava o bastão de que se fazia sempre acompanhar para, com alguns golpes de destreza, conseguir atirar o gigante escocês ao solo. E assim o fez na primeira batalha, logo que Ben se preparava para entrar na Ibéria. A luta prosseguiu algum tempo por ali, com ambos os guerreiros a atingir o solo com tal violência que ainda hoje por ali se encontram algumas das montanhas mais altas da península - os Pirinéus – num desses golpes Finn para derrubar o seu adversário espetou o seu bastão no solo com tal força que as águas que naquela zona deveriam escorrer naturalmente para o Mediterrâneo (a sul da península), ainda hoje caiem nesse buraco, feito pelo seu cajado, e vão parar ao Atlântico (a norte da península).


À medida que a batalha progredia, Ben mais potente facilmente se erguia e atirava com o adversário para ocidente, num desses golpes a queda de Finn fez com que surgisse uma nova montanha, hoje conhecida como Urbião/Urbión, onde Finn quase perdia os sentidos ficando com a cabeça encostada ao pico da montanha, Ben preparava-se então para lhe desferir o golpe fatal quando aquele se desvia no ultimo instante.

A força com que o punho de Ben atinge a montanha, onde já não estava a cabeça de Finn, é tal que parte do pico da montanha desaparece, deixando no seu lugar umas paredes enormes que recortam a montanha desde o seu cume até à Lagoa Negra, que fica uns 500m mais abaixo. No mesmo instante e do outro lado da montanha, mas ali mesmo perto do pico e a mais de 2000m de altitude, com a força do golpe, brota da terra, com toda a força, aquele que ainda hoje é o rio mais forte da Ibéria (por ser o rio com maior caudal de água), o Rio Douro.

Mas não se pense que a batalha ficaria por aqui, durante 7 dias e 7 noites, continuaram a empurrar-se mutuamente, para ocidente primeiro (assim surgem os Picos da Europa e cordilheira cantábrica, bem como as montanhas galegas) e depois para sul (norte de Portugal).

Com golpes violentos que os desfiguravam e enfraqueciam, as montanhas que daí provinham iam reduzindo de dimensão, no entanto, as quedas eram cada vez mais frequentes e daí o terreno ter ficado tão agreste e sinuoso, assim surgiram, por exemplo, montanhas como as do nosso Parque Nacional, a Peneda-Gerês.


Ben continuava a tentar golpear Finn que se esquivava e no lugar onde os punhos de Ben fissuravam a terra apareciam as chamadas fontes benditas, pois dizia-se por aqui outrora que “Ben dita onde nascem os rios” e por isso à nascente dum rio chamavam Fonte Ben-dita.

Por fim, aqui nestas terras, já perto do grande mar, e no limite do cansaço, os dois gigantes tentavam desesperadamente um golpe final que lhes desse a vitória no confronto. Agarrando-se um ao outro, praticamente já só lhes restava discernimento para desferirem golpes mútuos com a cabeça no intuito de quebrar o crânio do adversário e assim lograr vencer a contenda, no entanto as forças eram cada vez mais escassas e as suas investidas apenas resultavam em algumas fissuras superficiais naqueles couraçados.

E foi assim que, aqui mesmo neste local, já sem qualquer energia vital, os dois colossos caíram por terra com as suas testas próximas e com um fitar de morte que os petrificaria para sempre! Com os pés dentro do mar e membros a empurrar as águas do Douro para sul, as suas cabeças ficaram para todo o sempre aqui sepultadas, sob o pó da memória que pelos milénios aqui se depositou para embelezar com um manto verde o local de tão horrenda contenda. Os nossos antepassados que por aqui assistiram a tão catastróficos acontecimentos, contaram às gerações seguintes que a batalha havia sido terrível e que nunca houveram visto algo tão mau! Este lugar ficou para sempre conhecido pelos mais sábios que contavam às novas gerações toda a história e lhes aconselhavam a não mais se esquecerem que, o que outrora acontecera nas nossas terras, fora Muito Mauzinho! Mas com o tempo também a memória destes acontecimentos se iria perder, embora não totalmente, pois que neste local, em que pisamos estas enormes massas de granito como se de uma calçada se tratasse, afloram novamente os crânios petrificados e rachados dos gigantes que aqui repousam depois da sua batalha final.


Talvez por isso, também, este local seja conhecido por Monte Mózinho e que por aqui perto nasça o Rio Mau!


© calcorreando 2016

terça-feira, 22 de março de 2016

A LENDA DOS OLHOS DE ÁGUA



A Lenda dos Olhos de Água...
(Texto Original / Ilustrações da Internet)

Houve um tempo em que a menina Vera vivia feliz brincando com os seus primos Abraão e António (a quem chamavam Brão e Tono). No seu universo havia sempre sol e alegria e a Vera cresceu feliz e divertida. No entanto um dia, a sua ama Gaia casou com Bereno (ou Berno, como gostava que o tratassem), mas Berno era um ser frio e tenebroso que impunha a sua vontade e disciplina a todos, e a liberdade com que cada uma das crianças brincava com Gaia acabou! Gaia passava cada vez menos tempo com as crianças e, por ali, já só se ouvia falar de Gaia e Berno!


As crianças começaram a passar cada vez mais tempo juntas e mais ausentes de Gaia... O carácter de Tono e Brão era muito diferente um do outro, mas ambos gostavam muito da sua prima Vera... o Tono de carácter moderado, como a sua prima, sentia por ela muita afinidade e passava muito tempo junto dela aleando-se um pouco do seu primo Brão. Já o Brão de carácter mais vincado, caloroso mas temperamental, tinha ciúmes do Tono e queria brincar com a prima, mas sem o Tono, pois como havia muita cumplicidade entre ambos, sentia-se excluído. 


Por causa disto fazia de tudo para os separar e um dia em que Vera procurava, como sempre, o Tono para novas brincadeiras, o Brão decidiu afastá-la dele e enganou-a dizendo-lhe que o Tono havia conhecido uma nova amiga, a Imprudência, e que os vira partir em direcção ao Desconhecido, um lugar que ninguém sabia como lá chegar! Disse também que ainda tentara que eles ficassem a brincar com ele mas que o Tono lhe tinha dito que já não voltava a brincar com eles pois agora só gostava da sua nova amiga e iria com ela para a sua terra, pois a Imprudência morava no lugar Desconhecido. 

Vera ficou inconsolável e desatou num pranto tamanho que logo ali nasceu uma lagoa de lagrimas daqueles olhos de água... 

Não contente com este cenário o Brão, assim que viu o Tono aproximar-se, e antes que a prima o avistasse, correu a chamar por Berno e disse-lhe que o Tono havia sido horrível com a prima Vera, que lhe tinha tirado as folhas, secado as flores e afoguentado os passarinhos que a divertiam, e ainda, que insatisfeito por ele ter tentado ajudar a prima, lhe tinha tirado, a ele, os frutos e roubado as colheitas, o Berno assim que ouviu esta história soltou toda a sua fúria, saltaram relâmpagos da sua voz e tempestades dos seus braços, vociferou ameaças de destruição ao Tono...


O Tono assim que ouviu tamanha fúria ao longe, olhou na sua direcção e sentiu toda a ira do universo em Berno! Não percebera o que se passava até que Bento, seu pai, lhe disse para fugir pois ouvira Berno prometer destruí-lo se o apanhasse. Tono pôs-se em fuga e só voltou a aproximar-se de Gaia quando o Bento lhe sussurrou que Berno já estava longe!

Desde esse tempo que a prima Vera caminha pelo terrenos de Gaia à procura do Tono, espalhando os seus olhos de água por onde passa ao mesmo tempo que todos alegra com o seu canto de ave e o seu sorriso florido. O Brão, que continua a segui-la procurando alegrá-la com as suas quentes e festivas noites e sua luxuriosa claridade, vai afastando-a dali sempre que sente o Tono a chegar! Por sua vez o Tono quando chega, já não vê sinais da prima Vera, acende fogueiras para a encontrar e constrói abrigos para se esconder de Berno, recria as fontes que lhe recordam a sua amiga mas logo se afasta assim que o Bento, seu pai, lhe sussurre que o Berno se aproxima com vontade de o apanhar e aniquilar.


Berno na sua austeridade impôs que Gaia não tenha descanso, pois tem de brincar com Brão ou Tono e também com a sua prima Vera, sem os conseguir juntar. Por outro lado, Berno só se afasta de Gaia quando parte na sua caça ao Tono.  Por fim, Gaia ignorando que em Berno existe uma aversão desmesurada ao Tono, adormece cansada nos braços do marido assim que ele regressa da sua frustrada perseguição, despertando do seu sono para brincar com todos novamente.


Por isso se dizia noutros tempos que:
da exuberância rival de Brão ao Tono, só depois da ira em Berno é que a prima Vera volta a Gaia!

ou como se diz agora:
da fartura de Verão-Outono, só depois de ir o Inverno é que a Primavera volta à Terra!



© calcorreando 2016


segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A LENDA DA FIGUEIRA



A Lenda da Figueira...
(Texto Original / Ilustrações da Internet)

Conta uma lenda que por aqui vivia um Velho Sábio de quem não se sabe nome nem idade e que este velho cuidava de duas meninas, suas filhas adoptivas, pois que misteriosamente, num dia de tempestade, à sua porta apareceram.

As duas irmãs, embora muito diferentes eram muito bonitinhas, uma simples e carinhosa a outra mais rebelde e caprichosa. Sempre que podiam as meninas gostavam de subir o monte e brincar, trepando rochas e árvores, cantando e rindo, eram alegria nos olhos dos pastores e camponesas que as viam passar. 

O local preferido para brincar, no alto do Monte Mózinho, era num penedio a que chamavam, pela sua forma, do Castelo. No meio desses penedos havia uma Figueira muito velha, de tão velha que o seu tronco enorme, já meio oco, conseguiria abrigar um urso, se ursos por lá houvera!
  

Numa tarde de Inverno em que o sol aquecia o Mózinho, uma menina, num penedo sentada, entoava uma canção de sossegar para a irmã que, mais traquina, se empoleirava numa árvore ali ao lado. Não sabiam porém aquelas meninas que aquela velha Figueira, de tão velha que era, era mágica e escondia um segredo que, para elas, seria terrível, pois a Figueira tinha sido ali colocada para aprisionar uma serpente, uma serpente medonha daquelas enormes como não há memoria de ter voltado a existir, daquelas que engoliam uma pessoa inteira de um só golpe e que outrora espalhara morte e destruição pela terra. Nesse outrora, a aldeia só respirou de alívio quando apareceu por lá um mágico muito poderoso, de tão poderoso que era, que conseguira aprisionar a gigante serpente, fazendo-lhe crescer uma figueira, assim como que por magia e em poucos minutos, saindo pela cauda do bicho, crescendo e criando raízes que enraizaram a serpente, ao rochedo, para sempre.

Como histórias passadas algum dia caem em esquecimento, também já por esta altura, pela aldeia ninguém se lembrava da história, mesmo porque já há muito que as cobras gigantes haviam desaparecido da face da terra e ninguém se lembrava do seu perigo, embora se falasse de que por vezes desaparecia algum pastor sem deixar rastro. Apenas o velho sábio ainda conhecia o segredo e por isso proibira as suas filhas de se acercar ao Penedo do Castelo e à velha Figueira… no entanto todos sabemos como são as crianças, mais dia, menos dia, uma mais atrevida ou a outra mais esquecida, lá fazem aquilo que lhes disseram para não fazer. 

Nessa tarde enquanto a menina cantava, a serpente no seu covil assobiava, música que a menina não sabia de onde vinha mas que a atraía cada vez para junto da Figueira. De tão próxima chegar, acabou por ficar ao alcance do bicho que agarrou a petiz e a aprisionou envolvendo o seu corpo e asfixiando-a lentamente... a outra menina que brincava em cima da árvore avistou a cena e correu pra lá mas ao chegar perto viu que nada podia fazer, pelo tamanho do bicho, e decidiu ir chamar o pai!


A menina correu monte abaixo como se a própria serpente a perseguisse. 

A outra, enquanto a ajuda não chegava, cantava, pois apercebeu-se que sempre que cantava a serpente folgava na força que fazia, o que lhe permitia respirar ao mesmo tempo que a confortava no seu receio de que o pai não chegasse a tempo de a ajudar.

Assim que soube, o velho sábio correu monte acima, como se as pernas de velho fossem de menino, sempre com a esperança de chegar a tempo de evitar uma tragédia. Ele tinha a noção que não poderia usar a força para retirar a filha daquele apuro, por isso teria de fazer o que melhor sabia fazer, usar a sua magia. 

Assim que ao alto chegou, logo à serpente com palavras se atirou, ameaçando-a com a ira da aldeia, dizendo-lhe que se não parasse imediatamente de sufocar a criança iria convocar todos os aldeões e juntos lhe atiçariam o fogo. Depois propôs-lhe um trato – prometeu-lhe fazer uma Poção de Figueira (sem usar os frutos e outras partes daquela Figueira que eram venenosos para aquela serpente, impedida pela magia que a aprisionava de comer os frutos do seu próprio ser venenoso), uma Poção feita com toda a essência da Figueira, o que a deixaria livre daquela prisão para sempre! No entanto a Serpente teria de prometer que deixaria as suas filhas em paz, também para sempre.


A serpente não sabia se aquilo era verdade, mas só de imaginar q poderia deixar aquela árvore para sempre e descer à aldeia pra se banquetear com todos os aldeões – sim, ela não tinha de prometer não comer ninguém, só as filhas, e mesmo essas, depois decidia – só de pensar nisso já lhe crescia água na boca e disse logo que sim, mas que caso o velho não cumprisse com a palavra iria comer aquela e apanhar a irmã. O Sábio anuiu mas pediu alguma paciência, pois a Poção necessitava de um pouco de cada figueira da aldeia e, como tal, seria demorada.

O velho e a filha desapareceram então durante todo o dia e toda a noite. A outra menina, já liberta daquele sufoco, ainda que prisioneira, dormia, enquanto a serpente se mantilha de pestana aberta, bem vigilante, para não ser enganada.

No dia seguinte, bem cedo, apareceu o velho sábio e a filha com um caldeirão cheio de Poção com umas coisas negras a boiar mas que a serpente não distinguira bem o que seria pois estava cheia de sono de ter passado a noite acordada. Cheirou aquilo e sentiu logo o aroma da Figueira. Mas havia um problema, a cobra não conseguia beber! foi aí que o velho lhe explicou que aquelas coisas negras, que via a boiar, eram ratazanas enormes do tamanho de lebres que deveria comer para assim ingerir a Poção. Também a convenceu de que se as engolisse rapidamente, as ratazanas até lhe iriam saber a carne humana. É claro que não deveria ser bem assim, isto do sabor, mas com o sono e vontade que o bicho estava de comer gente, tudo lhe pareceria perfeito naquele momento. 


O bicho estava faminto e desejoso de liberdade por isso apressou o velho a dar-lhe as ratazanas. A cobra ia comendo ao mesmo tempo que sentia a sua cauda a libertar-se lentamente da raiz. O velho ia-lhe dando mais e mais, mas quando ia a meio ameaçou parar se ela não libertasse a filha definitivamente. A cobra percebendo que era verdade e que poderia mesmo libertar-se da figueira, soltou a menina e o velho deu-lhe o resto das ratazanas ensopadas em Poção, esvaziando assim o caldeirão.

A cobra, assim que se viu livre daquela prisão, aproximou-se do velho e disse-lhe: “agora que estou livre, e cumpri a promessa de libertar a miúda, vou-te comer a ti e tornar me eu a serpente mais poderosa e sábia à face da terra”.

Mas assim que se preparava pra engolir o velho sábio de uma só dentada, sentiu que algo a pressionava por todo o seu corpo, lentamente a cobra ia ficando cada vez mais pequena até que parou de encolher. 

O velho pegou-lhe então pela cabeça, olhou-a nos olhos e disse-lhe: “tu não sabias, mas o Poder e a Sabedoria são duas águas que não se misturam, já que, o Poder que conquista a Sabedoria e fica sábio, perde o poder… e a Sabedoria que alcança o Poder e se torna poderosa, olvida o saber! A poção que te dei era a sabedoria que te libertou da Figueira para sempre, mas que também te tirou a capacidade – o poder – de comer os homens. Por isso, de hoje em diante, tu e os teus filhos terão de se alimentar dos ratos que dizimam as culturas dos homens e nunca ireis crescer mais do que um ramo de Figueira pois eu e as minhas filhas caçar-vos-emos”. 

Conta-se que depois desta história nunca mais se viu nem ouviu falar, por aqui, do velho e das duas meninas e que pouco tempo depois apareceram nos céus uns pássaros gigantes a que os aldeões chamaram de águias!… e há mesmo por aí quem garanta já ter visto essas águias a caçar cobras por estes campos!



E foi assim que as cobras desta terra deixaram de ser uma ameaça para os aldeões para passarem a ser uma ajuda contra as ratazanas que, agora, não passam de ratinhos do campo e como diz o povo que é sabido:

enquanto a Águia pairar por Figueira
não haverá Cobra para assustar a Mondadeira,
nem Rato para esvaziar a Eira.

© calcorreando 2016