domingo, 6 de março de 2011

3ª etapa (Betanzos - Bruma) - Peregrinando até Santiago de Compostela, pelo Camiño (dito) Inglês

3ª Etapa - de Betanzos a Bruma (em 6 de Março de 2011)


Ora estamos no Domingo Gordo mas a etapa de hoje será mais magra que a de ontem e deverá ficar-se pelos 30kms. É claro que se aqui o peregrino tivesse ficado por Miño aí sim teria um Domingo bem gordo com uns prováveis 42kms para percorrer!!!

Contudo, o prato principal deste Domingo de Carnaval iria ser a bolha que tinha ganho naquela etapa alongada, pelo que teria de introduzir uma nuance no planeamento e começar bem cedo esta etapa! Mesmo porque também queria visitar Betanzos, nem que fosse apenas uma vista de olhos assim por alto.


Por isso a alvorada foi às 6:30, para deixar o pavilhão arrumadinho e fazer a visita à cidade ainda antes das 9:00! Tudo muito calminho para não dizer deserto, como seria de esperar a um Domingo a esta hora, ainda por cima na ressaca duma noite de Carnaval... já a primeira coisa aberta que vi foi um quiosque que em boa hora vendia pilhas pois o GPS estava a gastar muito, ou não tivesse também ele uma etapa prolongada de registo no dia anterior, e eu não queria estar a arriscar-me a ficar sem o registo completo!

Como já todos os portugueses devem saber que a notícia corre depressa, em Espanha, é normal encontrar-se “pilas” à venda em qualquer esquina, ou quiosque, e este aqui não é excepção, já os 3,5€ por 4 “pilas”, pode dar azo a muitos comentários sobre a justeza do negócio, mas posso garantir que nem foi do mais caro... o pequeno almoço com “Cola-cao” e um croissant, por sinal muito bom, no “Capitol”, que deve ter andado pelos 2,7€, também não foi um mau negócio para um café situado na praça principal e quase o único aberto neste dia a esta hora.


Xente na rua também não foi fácil encontrar, embora tivesse encontrado na praça uns 2 ou 3 fantasiados, com todos os sinais de restos da noitada e não de uma qualquer família de madrugadores!!!

Deixo para trás, neste inicio da etapa ouço os galináceos com os seus cocorós que dão a vez a aves mais pequenas, sejam aquelas que vulgarmente rotulamos genericamente como passarinhos, sejam outras de um porte superior como um pica-pau! Já um pouco à frente, em Xan Rozo, fiquei agradavelmente surpreendido quando um jovem que, de dentro da sua casa no 1º andar duma tradicional casa em pedra, me vê passar na rua e abre a janela, apenas para me atirar com aquele “Buen Camino”, voltando em seguida a fechar a janela e a regressar aos seus afazeres matinais!!!

Taxi!!! Várias anúncios com um número de telefone, junto aos marcos que sinalizam o caminho, fosse em placa ou em papel colado, sinal de que por aqui, ou o comercio é pró-activo, ou faz mesmo falta aos peregrinos... se pensar-mos que a etapa deveria começar em Miño e não em Betanzos, talvez algumas destas indicações possam já ter sido úteis para alguém menos habituado ao relevo da zona, que para já não é significativo. Mais à frente um outro letreiro anuncia, “Casa Júlia - café-bar - telefone antes de vir...”, humm, café-bar que é preciso que liguem antes de ir, será que é único?! e fechado?!!!


Depois de passar por Luminon, entro numa zona onde se vêem alguns passarões, como uns corvos, um gaio e uma outra gralha qualquer que não sei especificar o título! Depois dessa zona arborizada, passa-se para outra de prados e chegamos a Abegondo, mais especificamente à paróquia de Cos, onde acontece uma cena com um pouco mais de acção do que o normal, que diga-se de passagem, foi sempre sereno. Seguindo em frente no meu caminho deparo-me com alguém, um senhor na casa dos seus 50-60 anos que vindo na minha direcção pára antes de se cruzar comigo e volta para trás. Como o meu passo era mais acelerado que o dele, rapidamente o ultrapasso, tendo ele então a preocupação de me advertir que irei encontrar um cão que me irá ladrar, “anhadindo” por outro lado que o mesmo não faz mal. Agradecendo prossegui o meu caminho, sendo entretanto, um pouco mais à frente, ultrapassado também eu, neste caso por um grupo de ciclistas (ou devo chamar-lhes ciclo-peregrinos?!) que, alguns metros mais à frente, ao passar por um portão se depara com um enorme pastor-alemão que sai lá de dentro a correr, para provocar a confusão geral, com uns a desviarem-se e um outro a ter mesmo de parar. Entretanto o dono do cão já estava por ali a chamar o cão e a ralhar-lhe. Certo é que o bicho tinha um porte de meter respeito e a sair assim naquele repente de certeza que aquele pessoal das 2 rodas deve ter apanhado cá um daqueles sustos, ainda que sem consequências!

Mais à frente foi tempo para fazer uma paragem e verificar que a bolha estava em ordem! Ou seja a bolha estava lá, pois essas coisas não desaparecem assim com duas tretas, foi só mesmo para verificar se a linha estava no sitio e a cumprir a sua tarefa de drenagem ;)


Enquanto ia pensando que compensara vir carregado com os 2 bastões de caminhada, pois já estavam a justificar bem a sua presença, por entre anúncios de bares dos quais não se via nem rastos, entrara já na lógica universal de que um mal maior encobre outras maleitas, já que a bolha tornara-se um espectro perante a maior evidência da fome e sede que estava a sentir, já que o raio do bar, ou café ou loja que fosse, teimava em não aparecer… e eu que pensara que não ia para o meio do deserto, nem sequer para a montanha, pelo que não estava preparado para tantos quilómetros de ausência de comércio ou/de restauração, muito menos depois da experiência dos primeiros dias em que era só pensar nessa necessidade que aparecia logo algo!


Depois de um par de horas de adiamento e uma indicação de restaurante, mas que significava um desvio não quantificado, pela senhora da casa onde fui tentar conseguir mais informações, lá cheguei finalmente ao primeiro e talvez único bar desta etapa do caminho... a tal Casa Júlia que dizia para ligar antes de vir! Afinal revelou-se um café-bar, mas com restaurante e por sinal muito movimentado inclusive com uma sala privada. Toda esta agitação talvez se devesse ao facto de ser Domingo e pudesse ser um daqueles locais mais procurados para esta refeição semanal, ainda para mais não havendo nada aqui à volta. Deu também para comprovar que na Galiza as cascas de amendoim são mesmo para deitar para o chão, já que a zona do bar, que foi onde almocei, estava com o chão repleto de cascas e a clientela que frequenta o restaurante até se veste mais ao menos, pelo que não sendo um qualquer “gourmet” também não é um tascómetro qualquer! Mesmo assim ainda bem que acabei por não seguir a indicação da senhora para fazer o desvio e procurar o bar Zapatero que segundo ela só servia “bocadillos”, pelo menos aqui sempre tem o típico caldo galego e pão da aldeia. Já quanto às “croquetas caseras”, não há muito a dizer pois verdadeiramente só se aproveitou a quantidade!

Agora, quando alguém vos disser que a seguir é que vem a parte pior… acreditem, que pode ser verdade!!! Embora não seja fácil de aceitar, especialmente quando já se traz uns 16kms nas pernas, a verdade é que o tramo mais… tramado, desta etapa, veio em seguida com uma subidinha “filha-da-mãe”, o que é o mesmo que dizer que tive uma sobremesa um bocadinho indigesta. ;) Bem que fui avisado disso por um dos clientes que se encontrava ao balcão do restaurante, todavia achei que o homem podia estar a exagerar, ou então que estivesse habituado a refrear os ânimos de quem chegue a este ponto já com a meta em mente, quando ainda faltava quase outro tanto para a conclusão da jornada. Mas não, pouco depois, ainda com a barriguinha cheia com dois pratos de sopa, “croquetas” (que ainda chegaram para fazer sandes, já que na barriga a lotação estava esgotada) e duas “claras” (equivalente ao nosso “panaché” ou traçado) lá fui dar de caras com a dita subidita...


Custou, não vou negar, mas como é obvio, foi subida ultrapassada, mesmo que para isso tivesse que contar umas 2 ou 3 paragens para recuperar o fôlego e, porque não, para acariciar o animo, que é uma coisa com que também temos de contar e providenciar para nós próprios quando estamos a caminhar a solo! Contar e cantar que é outra coisa que pode ajudar a animar, principalmente se cantarmos para nós próprios, sem espectadores e muito menos críticos ;)

Baixinho (que era para não incomodar os passarinhos… que podiam ficar envergonhados com o seu pio desafinado, perante tal tenor ;) lá fui a cantarolar a popular "eu quero ir para o monte... que no monte é que estou bem",  enquanto a subida ficava para trás e, já em zona de planalto, ia diversificando o reportório ao mesmo tempo que mudava de hemisfério para cantar um "wanderers & nomads...", tudo a condizer :D

Ao fim do dia começo a pensar que este caminho inglês é mesmo pouco calcorreado, a julgar pela quantidade de teias de aranha que ia “apanhando”, muito embora o facto de estar a entardecer ajudar bastante a essa “colheita”!!!


Um pouco antes de Bruma (diria eu que aí a cerca de 1km da aldeia ;) aparece-nos ao caminho uma placa a dizer que há um albergue a… 1km! Como quem diz: não desesperes agora que já não vale a pena!!!

Á entrada da aldeia, a senhora que tomava conta do albergue, viu-me passar e, vá-se lá perceber porquê, reparou que vinha ali peregrino e seguiu-me até ao albergue para me abrir a porta! Pensava eu que iria ficar sozinho mais uma noite, mas afinal já cá se encontrava um dos dois espanhóis sossegados com quem me cruzara, no primeiro albergue, em Neda… Este tinha “rebentado” no restaurante e feito o trajecto até aqui de carro! Já o amigo, peregrino experiente, vinha a pé completando por esse meio a totalidade da etapa, a qual terminou cerca de uma hora depois!

Neste entretanto estivemos, eu e o espanhol que primeiro chegara, a ouvir o responsável pelo albergue, marido da outra senhora, a falar da sua construção, pois era deles a casa antiga, sobre a qual fora erguido este novo edifício de arquitectura moderna, ainda que adaptada à envolvente e à anterior construção. Notava-se o gosto pelo novo edifício (que diga-se de passagem tem boa pinta) e um certo amargor pelas dificuldades sentidas por quem faz a manutenção dum equipamento social, quando tem de lutar com a falta de fundos e, no caso, também da insuficiência no fornecimento, por parte do “Concello” dos artigos necessário ao seu funcionamento como, por exemplo, os lençóis (“sabanas”) descartáveis! Nós como peregrinos de época baixa acabamos por não sentir qualquer uma dessas limitações e beneficiamos mesmo de uma longa conversa, onde fiquei a saber, entre outras coisas que aqui a época alta também começa na semana santa, prolongando-se aí até meados de Setembro… em Dezembro já vêm poucos e Janeiro/Fevereiro ainda menos, sendo esta a fase em que se encontra o albergue, daí que por pouco não pernoite sozinho!… como o señor gostava (muito) de falar, conversou-se um pouco sobre tudo, nomeadamente… futebol e, desta vez,… Mourinho!

Bruma, 23h00… os espanhóis já foram dormir! Dada a hora acho que vou seguir o exemplo, pois aqui a rede é mesmo muito fraca pelo que não vale a pena ir lá para fora tentar ligar à internet… é que está friooo ;)

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